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quinta-feira, 16 de junho de 2011

PEC de deputados permitirá interferência no Judiciário
Publicado no Jornal OTEMPO em 16/06/2011

ALINE LABBATE E RICARDO CORRÊA




Uma proposta de emenda à Constituição (PEC) em tramitação na Assembleia de Minas pode colocar em risco a autonomia entre os Três Poderes no Estado. É o que dizem especialistas ouvidos por O TEMPO. A PEC 13 de 2011, de autoria do deputado Sargento Rodrigues (PDT), altera o inciso 30 do artigo 62 da Constituição, ampliando o poder do Legislativo, que poderá sustar atos normativos do Judiciário, quando esses excederem o "poder regulamentar ou os limites de delegação legislativa". Atualmente, essa competência se refere apenas aos atos do Executivo.


Segundo o professor de direito constitucional David Oliveira Lima Rocha, da Escola Superior Dom Helder Câmara, a PEC altera o princípio da separação dos Poderes. "A própria Constituição Federal prevê instrumentos para que um Poder controle o outro. Essa ampliação da competência do Legislativo desequilibra o que já está estabelecido dentro do princípio do peso e contrapeso", contesta. Para o professor de direito constitucional da PUC-Minas Bruno Burgarelli Albergaria, caso seja aprovada, a PEC dá aos deputados o direito de intervir na autonomia do Judiciário. "A interpretação sobre o que pode ou não ser anulado é sempre do Legislativo. Essa proposta abre brechas para que a Assembleia julgue politicamente os atos. Em nenhum país se faz isso, só em regimes ditatoriais. Eles querem fazer o controle político de constitucionalidade", alerta.


O autor da proposta, que recebeu a adesão de outros 26 deputados, afirma que o texto visa corrigir uma lacuna na Constituição. Segundo Sargento Rodrigues, muitos projetos de autoria do Judiciário, depois de aprovados pela Assembleia, são regulamentados por meio de atos normativos que extrapolam a determinação do Legislativo. "Se o Judiciário encaminha um projeto de readequação da estrutura e nós o aprovamos, eles não podem, depois, baixar uma portaria alterando o que foi aprovado. A Assembleia tem que ter o poder de sustar o ato", diz.


Para o conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas (OAB) Mário Lúcio Quintão, a PEC também é polêmica quanto ao princípio da hierarquia das esferas de governo. "Existe um projeto semelhante em tramitação na Câmara dos Deputados, que nem foi aprovado. Seria oportuno, em termos de constitucionalidade, aguardar a aprovação da PEC no âmbito federal", adverte.
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Conteúdo é igual ao da proposta da Câmara

A PEC 13 de 2011 da Assembleia é um espelho da PEC 3 de 2011, em tramitação na Câmara dos Deputados. A proposta surgiu no Legislativo federal no final de março, no auge da polêmica sobre os suplentes que deveriam assumir as vagas dos deputados licenciados. De autoria do deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), o texto tem o objetivo de impedir que o Judiciário tome decisões que possam ter validade de leis, passando por cima da competência do Congresso.
O autor da proposta defende que o Legislativo possa sustar atos do Judiciário, como as decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a posse de suplentes e sobre a validade da Lei da Ficha Limpa.


A proposta do Congresso enfrenta resistências. A Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal publicou nota afirmando que os "efeitos da proposta podem acarretar um retrocesso quanto ao ideal de estado democrático de direito, também podendo enfraquecer a independência e a harmonia que devem existir entre o Legislativo, o Executivo e o Judiciário". (AL)
Deslize
Autor era também o relator e vice

Conforme previsto no regimento interno da Assembleia, foi criada uma comissão especial para discutir a PEC 13 de 2011. Mas os deputados cometeram um deslize. Elegeram como vice-presidente da comissão e relator da proposta um dos parlamentares que assina como coautor do projeto: Fabiano Tolentino (PRTB).


Questionada sobre a legalidade da situação, a assessoria de imprensa da Casa informou que houve um "equívoco", já que um autor do projeto não poderia ocupar cargo de relator ou vice-presidente na comissão.


A assessoria informou, ainda, que, após a consulta de O TEMPO, a relatoria da PEC foi transferida para o deputado Gustavo Corrêa (DEM). Sobre a vice-presidência da comissão, a assessoria informou que será marcada uma reunião para eleger o novo ocupante do cargo. (AL)
Deputados pedem mais debates

No site da Assembleia, figuram como autores da PEC 13 de 2011 27 deputados, mas nem todos assumem a autoria. Segundo Bonifácio Mourão (PSDB), ele assina como apoiador da tramitação e sequer tem opinião formada sobe o tema. "Temos que saber se a proposta não seria uma intromissão indevida na autonomia do Judiciário", considera.


Já o deputado Délio Malheiros (PV) aprova a proposta, mas também pondera que a matéria deve ser melhor discutida. "A Assembleia não pode interferir em atos do Judiciário que não sejam relativos a projetos aprovados pela Casa", disse. (AL)

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