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quinta-feira, 14 de abril de 2011

Paula Miraglia
Antropóloga analisa segurança pública, justiça e cidadania
Antropóloga e diretora geral do International Centre for the Prevention of Crime, Paula analisa segurança pública, justiça e cidadania
Ainda sobre o desarmamento
Questionar o referendo anterior seria um desserviço à causa do desarmamento e, principalmente, à democracia brasileira

14/04/2011 17:23



Na semana passada, usei este espaço para analisar a relevância das armas de fogo na tragédia ocorrida no Rio. Obviamente não fui a única, o episódio reabriu o debate sobre o desarmamento no País. Como resposta, recebi uma quantidade enorme de emails, alguns com argumentos pró e contra armas extremamente interessantes. Outros cuja única motivação era o ataque pessoal. Achei que valia voltar ao tema, me restringindo, claro, a dialogar com a primeira categoria de emails, tanto contra e pró armas.

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O líder do Senado, José Sarney (PMDB), anunciou que pretende aprovar um novo plebiscito sobre a comercialização das armas de fogo. A ideia vem sendo rejeitada mesmo pelos apoiadores tradicionais da causa. O motivo é óbvio. Temos de ser coerentes e respeitar a decisão popular que legitimamente votou “não”. Questionar o referendo anterior seria um desserviço à causa do desarmamento e, principalmente, à democracia brasileira.

Mas isso não significa que o debate não mereça ser retomado ou que os desafios relacionados ao tema estejam superados.

O Brasil é ainda o País com o maior número de mortes causadas por arma de fogo. São 20 mortes para cada 100 mil habitantes. Segundo o Datasus, 90% dessas mortes são homicídios.

Entre os quase 16 milhões de armas que circulam nacionalmente, cerca de 50% são ilegais. Em outras palavras a relevância e impacto das armas de fogo para a violência no Brasil são inquestionáveis.

Mas, ao mesmo tempo, as armas de fogo não podem ser tomadas como a única explicação para os níveis de violência ou criminalidade no País. Seria ingênuo ou desonesto afirmar que desarmamento, sozinho, é a política pública capaz de prevenir a criminalidade e a violência.

Assim como uma polícia com melhores salários e formação sozinha também não é a solução, um sistema de justiça mais eficiente isoladamente tampouco ou mesmo políticas sociais simplesmente. Uma política de segurança pública que pretenda transformar a realidade do País precisa mobilizar todas essas e tantas outras dimensões juntas, inclusive o desarmamento.

Mas sob qual perspectiva o debate nos interessa hoje?

O Brasil tem uma Lei Federal, o Estatuto de Desarmamento, que prevê uma série de requisitos para aquisição e uso de armas de fogo. Em que medida a lei está sendo cumprida e com qual eficácia o Estado Brasileiro vem sendo capaz de regular e praticar esse controle? Da mesma forma, assim como o referendo deve ser respeitado, a lei aprovada pelo Congresso não pode ser desfigurada pouco a pouco diante dos interesses da indústria.

Por fim, se a estratégia para reduzir o risco da violência armada é restringir o acesso às armas, vamos refletir de maneira ampla. Por que, por exemplo, as Guardas Municipais querem ser armadas (como é caso daquelas atuantes em cidades com mais de 100 mil habitantes)?

Essas são questões que interessam a todos nós, aqueles que são pró ou contra as armas. Ganharíamos todos se desta vez o debate fosse pautado pela racionalidade, sem alimentar a polarização agressiva que marcou a época do referendo.

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